sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Sou contra a extradição de Cesare Battisti

Por ocasião da Ditadura Militar no Brasil, eu era uma jovem estudante secundarista ,de classe média, no interior de Minas, com formação religiosa e com sede de um mundo melhor. Um mundo que se preocupasse com os desvalidos, os famintos, operários, em que as crianças não apanhassem, enfim, um mundo em que as relações naturais de poder fossem pelo menos respeitosas.
Pertenci a movimentos religiosos, União Colegial da minha cidade. Fui professora alfabetizadora, trabalhei em órgão público de Educação e nesse sonho utópico de jovem era acusada de comunista.
Não posso nunca me esquecer das barbaridades ocorridas nessa época e do fantasma que se apoderou da ignorância de muitos. Os lados eram dois, os que estavam a favor da Lei e os Outros, os comunistas. Eu,como era falante, me via ameaçada de delação. Queimei livros. Na Faculdade particular, microfones monitoravam professores que não podiam citar o nome de Karl Marx, e nem "Freud" (risos) . A ignorância enlouquecia...Como professora era vigiada para não fazer reflexões "desnecessárias".No serviço público verbas desapareciam e os "protetores" cuidavam de mim para não dizer nada. Na capital ouviam-se gemidos e gritos vindos de uma sede do DOI CODI. E as torturas e mortes de jovens sonhadores, mulheres e operários que nunca pegaram em armas? Onde estão esses militares? Na minha cidade até hoje, nós, "os comunistas" que não suportam nehuma forma de ditadura, entristecemo-nos com a tortura de dois jovens operários da JOC; um desaparecido, o outro falecido. E ,eu,com a morte de um primo encantador. Essas pessoas levavam na alma aquilo que no seu último livro Frei Beto chama de Utopia do Coração.
Hoje , percebo jovens, mal informados, confundirem aqueles que resistiram ,heróicamente, à Ditadura em seus países com terroristas. É preciso que leiam o depoimento de pessoas intelectualmente sérias e esclarecidas como o professor e jurista Dalmo Dallari e outros escritores.
Desejo que o Lula seja pelo menos coerente com a Constituição.
Tenho todas as razões para desacreditar no poder de um país, de uma democracia duvidosa, mesmo porque nem Miterrand acreditou, tendo abrigado na França o escritor Battisti como refugiado político que é.

Carta aberta de Cesare Battisti a Lula e ao Povo Brasileiro

CARTA ABERTA

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR

LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA

PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

SUPREMO MAGISTRADO DA NAÇÃO BRASILEIRA

AO POVO BRASILEIRO

“Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda”. (O homem em revolta - Albert Camus)

Se olharmos um pouco nosso passado a partir de um ponto de vista histórico, quantos entre nós, podem sinceramente dizer que nunca desejou afirmar a própria humanidade, de desenvolvê-la em todos os seus aspectos em uma ampla liberdade. Poucos. Pouquíssimos são os homens e mulheres de minha geração que não sonharam com um mundo diferente, mais justo.

Entretanto, frequentemente, por pura curiosidade ou circunstâncias, somente alguns decidiram lançar-se na luta, sacrificando a própria vida.

A minha história pessoal é notoriamente bastante conhecida para voltar de novo sobre as relações da escolha que me levou à luta armada. Apenas sei que éramos milhares, e que alguns morreram, outros estão presos, e muito exilados.

Sabíamos que podia acabar assim. Quantos foram os exemplos de revolução que faliram e que a história já nos havia revelado? Ainda assim, recomeçamos, erramos e até perdemos. Não tudo! Os sonhos continuam!

Muitas conquistas sociais que hoje os italianos estão usufruindo foram conquistadas graças ao sangue derramado por esses companheiros da utopia. Eu sou fruto desses anos 70, assim como muitos outros aqui no Brasil, inclusive muitos companheiros que hoje são responsáveis pelos destinos do povo brasileiro. Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil não posso aceitar a humilhação de ser tratado de criminoso comum.

Por isso, frente à surpreendente obstinação de alguns ministros do STF que não querem ver o que era realmente a Itália dos anos 70, que me negam a intenção de meus atos; que fecharam os olhos frente à total falta de provas técnicas de minha culpabilidade referente aos quatro homicídios a mim atribuídos; não reconhecem a revelia do meu julgamento; a prescrição e quem sabem qual outro impedimento à extradição.

Além de tudo, é surpreendente e absurdo, que a Itália tenha me condenado por ativismo político e no Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento em crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do Governo Brasileiro a condição de refugiado, decisão à qual serei eternamente grato.

E frente ao fato das enormes dificuldades de ganhar essa batalha contra o poderoso governo italiano, o qual usou de todos os argumentos, ferramentas e armas, não me resta outra alternativa a não ser desde agora entrar em “GREVE DE FOME TOTAL”, com o objetivo de que me sejam concedidos os direitos estabelecidos no estatuto do refugiado e preso político. Espero com isso impedir, num último ato de desespero, esta extradição, que para mim equivale a uma pena de morte.

Sempre lutei pela vida, mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pela mão dos meus carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o fim, e, embora cansado, jamais vou desistir de lutar pela verdade. A verdade que alguns insistem em não querer ver, e este é o pior dos cegos, aquele que não quer ver.

Findo esta carta, agradecendo aos companheiros que desde o início da minha luta jamais me abandonaram e da mesma forma agradeço àqueles que chegaram de última hora, mas, que têm a mesma importância daqueles que estão ao meu lado desde o princípio de tudo. A vocês os meus sinceros agradecimentos. E como última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus ideais, pelas suas convicções. Vale a pena!

Espero que o legado daqueles que tombaram no front da batalha não fique em vão. Podemos até perder uma batalha, mas tenho convicção de que a vitória nesta guerra está reservada aos que lutam pela generosa causa da justiça e da liberdade.

Entrego minha vida nas mãos de Vossa Excelência e do Povo Brasileiro.

Brasília, 13 de novembro de 2009

Cesare Battisti

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Amanda é espelho que se move em dois sentidos rompe...se rompe...aqui e acolá em busca de Outro... Wanda é, o nome